Você conhece o Homem da Bicicleta?

Ela acompanhava a celebração com um olhar encantado e se maravilhava ao admirar a imagem do Bom Pastor, uma obra de arte que representa uma das parábolas cristãs, exibida no telão. Era uma senhora com seus quase noventa anos e estar próximo a ela nos fazia ter a sensação de nos aproximar da luz. Cuca, seu apelido, já não tinha a plena consciência daquilo que acontecia a sua volta, porque o Alzheimer havia afetado a sua memória e a sua percepção do mundo. De todas as formas, a igreja era um espaço onde ela gostava de estar. Era visível que ela se sentia bem ali pela alegria e paz que a alcançava. Assim que terminou a celebração, ela e a sua acompanhante começaram seu caminho de volta à casa. Nesse momento, passou um ciclista por elas e por um triz não foi atropelado por um ônibus. Cuca se espantou e apertou a mão da sua acompanhante. Logo disse:

– Eu conheço o Homem da bicicleta. Eu conheço Ele!

– Quem você conhece?

– O Homem da bicicleta. Eu vi Ele na igreja. Ele estava no quadro…

Cuca se referia ao telão em que estava o Bom Pastor e ela O reconheceu no Homem da bicicleta. Os sintomas do Alzheimer já não permtiam que ela entendesse muito bem a realidade física a sua volta, porém ela havia conquistado uma conexão espiritual que muitos vão passar pela vida sem ter. Ver o Bom Pastor no homem da bicicleta é uma conexão espiritual? A meu ver, sim. Uma das principais mensagens do cristianismo está conectado com o Bom Pastor que cuida das suas ovelhas no movimento de amar ao próximo como a si mesmo. Independentemente de religião, a mensagem proposta é a de um reino de amor ativo. Não utópico. O Bom Pastor foi morto por isso. O ônibus quase matou o ciclista e nós continuamos a matar a mensagem de amor do Bom Pastor quase todos os dias nas nossas relações familiares, organizacionais e sociais quando não reconhecemos no outro um igual a mim. Nas famílias, quantas vezes, os cônjuges se alfinetam, se digladiam e se maltratam numa relação de quase morte do amor? Ao olharmos com a simplicidade que as relações requerem, ambos tem o mesmo objetivo: fazer e ser feliz. Nas organizações, quantas vezes, os colaboradores e os gestores se colocam em lados opostos numa luta em que não há vencedores? Ao analisarmos a organização cada um pode perceber que ela somente existe com a presença de pessoas: a organização é circular, não tem lados. Na sociedade, quantas vezes, os diferentes indivíduos se engalfinham em lutas pelo poder? Ao considerar o capítulo final da vida de alguém de idade avançada se percebe o quão irracional é essa luta: as pessoas passam e a vida segue. Desse modo, entendo que nas relações, nas organizações e na sociedade a busca dos indivíduos é quase sempre comum, cabendo a cada um não matar o homem da bicicleta, porque ele poderia ser você. A busca pela transcendência por meio da espiritualidade pode ser um caminho de criar um mundo melhor.

Portanto, o convite de Cuca vai muito além de uma vida de família e de trabalho. Ela agora está escrevendo o seu último capítulo da vida sem a consciência plena e nos mostra que é importante desfrutar da jornada, assim como saber para onde se quer ir. Cuca teve seus tempos de produtividade, de competitividade e de resultados organizacionais e de contribuição social. Ela desenvolveu competências técnicas para ser uma farmacêutica, além das competências socioemocionais que lhe garantiram caminhar pela vida com a tranquilidade de alguém que encontrou na espiritualidade a força para uma vida em equilíbrio. Ela formou família e participou de organizações, exercendo diferentes papéis sociais. Porém, foi a sua espiritualidade que a permitiu desfrutar da jornada sabendo para onde estava indo. Enfim, agora que ela quase não se identifica mais, apareceu a sua essência. Por isso, Ela é Luz e não matou o Homem da Bicicleta!

Moacir Rauber

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