Você quer uma alface?
Que o mundo passa por transformações brutais parece ser senso comum. Entretanto, creio que a essência humana na sua busca por bem-estar pessoal continua. Para alcançar tais objetivos as pessoas enveredam por diferentes caminhos, entre eles a busca pela riqueza material, o crescimento intelectual, os prazeres mundanos ou o bem-estar espiritual. Entendo que, por vezes, podem ser excludentes entre si. Outro dia presenciei uma cena que me desconcertou. Acompanhava um senhor oriundo do mundo intelectual caracterizado pela larga formação acadêmica, pelos muitos anos trabalhados em universidades, pelo doutorado e inúmeros estudos realizados no exterior e pela farta publicação científica na sua área de atuação. Encontramos uma senhora que havia colhido um pé de alface de sua horta. Ela ofereceu a alface ainda sem limpar a terra e as pequenas impurezas naturais de uma planta recém colhida àquele senhor. Ele olhou com interesse, porém logo respondeu:
– Não, não, obrigado. Prefiro pegar no mercado que já vem limpa…
Vi a expressão de decepção no rosto daquela senhora. Senti a frustração por uma resposta que me pareceu mal educada, além de pensar que a suposta intelectualidade dessa pessoa estava desconectada da realidade. De que serve o conhecimento se ele não se traduz em melhoria no ambiente que se vive? Particularmente, creio que se o conhecimento adquirido não melhora a pessoa como pessoa e não contribui para um mundo melhor, seria melhor que a pessoa não tivesse o conhecimento. E isso inclui saber que plantar e colher uma alface melhora o mundo, mais do que isso: serve ao mundo. As mudanças brutais a que estamos sujeitos tem a ver com a desconexão da intelectualidade e da tecnologia daquilo que é real. Toda a teoria que se aprofunda nas diferentes áreas da ciência, formais, naturais ou humanas, tem produzido tecnologias e mudanças comportamentais inimagináveis há poucas décadas, porém, se não melhorar o mundo não serve. Toda transformação e mudança deve servir ao mundo, senão não serve. E para servir o mundo acredito que deva estar conectado com a realidade ordinária das pessoas. Veja o caso da Inteligência Artificial, generativa ou não, ela não pode ser comida ou bebida e não atende estes aspectos básicos e elementares para o bem-estar humano em qualquer região ou país. Portanto, toda a intelectualidade desconectada das necessidades humanas básicas deve ser questionada. Qual é o teu caminho para o bem-estar? É a riqueza material, é o crescimento intelectual, são os prazeres mundanos ou o bem-estar espiritual? Se o teu caminho para o bem-estar individual estiver desvinculado do bem-estar do outro e do planeta, ele não serve. Por isso, fiquei chocado com a resposta do intelectual que não viu toda a teoria existente na prática da produção de uma alface. E mais, creio ser importante voltar a saber de onde vem aquilo que consome e a entender que por detrás daquele produto tem teoria e tem prática, mas sobretudo tem um ser humano.
“Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e a prática não é senão a prática de uma teoria” disse Fernando Pessoa. Desse modo, percebo que a teoria deve se aproximar da prática em que cada um de nós entenda o ciclo completo da vida que passa pela produção daquilo que é básico para o Ser Humano. Toda a teoria quando posta em prática deve servir ao mundo para diminuir a brutalidade das transformações. E os intelectuais? Que se reconectem com as suas necessidades básicas, entre elas o alimento, a água, o ar, a luz, o abrigo, o descanso, o silêncio, a tranquilidade e o amor. Por fim, como disse o Pe. Opeka “Frente a brutalidade das transformações que agitam toda a terra, não é possível ser feliz sozinho. Feliz somente se escreve no plural.”
Você é intelectual? Saber plantar e colher uma alface é um ato de amor no plural. É espiritual!
Moacir Rauber
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