Reunião discute combate à tortura e acelera tramitação de projeto de lei sobre o tema

A questão da tortura para além da violência física, incluindo a fome, o frio e outras graves violações de direitos no ambiente prisional foi debatida em uma reunião na Assembleia Legislativa do Paraná. O objetivo principal do encontro é o fortalecimento do Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Paraná.

O debate proposto nesta quarta-feira (10) pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC), em conjunto com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), também focou no projeto de lei 74/2022, do Poder Executivo, que institui o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura.

“A tortura é reprovada no mundo todo e nós ainda lutamos contra isso no Paraná. Por isso, precisamos de instituir um Sistema Estadual de Combate à Tortura. O governador encaminhou um projeto de lei, mas não contemplava as demandas. Pedimos um substitutivo geral, que já está pronto, mas não foi enviado à Assembleia”, cobrou o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Professor Lemos (PT).

Presente na reunião, o diretor da Diretoria de Direitos Humanos da Secretaria da Justiça e Cidadania (SEJU), Rodolfo Moser, assegurou que o substitutivo geral seria devolvido ainda nesta quarta-feira à Casa Civil, para ser encaminhado em breve ao Parlamento. “Foi amplamente aberto ao debate e troca de informações para chegar à minuta atual, que ainda poderá receber a contribuição dos deputados”, disse.

Lemos informou que questões levantadas no encontro podem encorpar o texto final e contribuir com uma questão envolvendo a área criminal, bem como questões sanitárias e de assistência social.

“Quando se pensa no termo tortura, a gente tem aquela ideia da pessoa amarrada, sendo espancada, sendo de fato torturada fisicamente. Mas a tortura tem um aspecto muito mais amplo. Envolve, dentro de um sistema prisional, a ausência de medicamentos, a ausência de condições minimamente dignas para aquela pessoa que o Estado se propôs a aprisionar, a cautelar, a deter. São questões envolvendo alimentação, o ambiente, extremamente frio, como aqui em Curitiba em alguns dias. A gente consegue imaginar a situação degradante”, citou o promotor de Justiça, Heric Silben, representando o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP).

O desembargador Ruy Mugiatti classificou o tema como sensível e importante ao Poder Judiciário, com desafios permanentes a serem combatidos. “A questão da tortura foi um passo importante no âmbito dos direitos humanos, sem nenhuma relativização. Assim como a escravidão, a proibição é total. Ao lado do tratamento degradante, que tem os mesmos contornos”, comparou. “Quando há o tratamento degradante, o Estado acaba sustentando a escola do crime e o recrutamento dos jovens pelas facções dentro dos presídios”, acrescentou.

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Ele citou o problema da superlotação do sistema prisional. “É um recurso escasso que precisa ser racionalizado. Não pode ser banalizado, pois estamos chegando ao terceiro lugar no mundo, e o Paraná como o terceiro estado no Brasil em população carcerária”, pontuou. Entre as alternativas estão as unidades de progressão que funcionam com êxito no Paraná desde 2017.

Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura (MNPCT), Ronilda Vieira Lopes deu sugestões ao projeto de lei, para a implantação fortalecida de uma estrutura no estado. “Pelos parâmetros apresentados, o Paraná deverá contar com o segundo melhor Mecanismo Estadual do Brasil, atrás do Tocantins, e servirá de modelo”, afirmou. Rio de Janeiro, Pernambuco, Acre, Rondônia e Sergipe são outros estados com órgãos já atuantes.

Também perita do MNPCT, Ana Valeska Duarte defendeu “peritos independentes, autonomia, garantia de deslocamento em qualquer unidade, que possam ouvir de forma reservada as pessoas, solicitar a condução dos casos de forma sigilosa e resguardar informações”.

Representando o Procurador-Geral de Justiça, Francisco Zanicotti, o procurador de Justiça Ricardo Lois, disse que o assunto traz uma série de preocupações ao Ministério Público. “Hoje enxergamos o ingresso da pessoa no sistema prisional e a porta de saída, mas esse trajeto precisa ser qualificado. Muitos direitos são sonegados. É de grande importância que haja estruturas de fiscalização, pois se reverte em benefícios a toda a população”.

Degradação

Vários participantes citaram exemplos de cenários degradantes. “O próprio cárcere é uma condição de tortura por conta do frio, das instalações, dos agentes e da alimentação. A tortura é quase uma política institucional de alguns órgãos. Não apenas uma prática individual, mas tolerada e muitas vezes incentivada”, alertou a representante do Núcleo da Política Criminal e da Execução Penal (NUPEP), Anna Asley de Lima.

“Basta considerar que as unidades penais de Curitiba não têm chuveiro quente. Não é uma prática de desrespeito isolada, é institucionalizada. Não é só bater, há um viés esquecido que é a tortura é estendida à família, que fica sem acesso à informação sobre os seus familiares presos”, destacou a presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, Waleska Fernandes Figueiras.

“Não somos inimigos, somos os maiores interessados que o sistema funcione, pedimos apenas o que está na lei. Não existe política pública sem os atores principais como protagonistas, como familiares e egressos”, afirmou Josiane de Miranda, representante da Frente Estadual pelo Desencarceramento do Paraná e do Movimento Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado do Paraná.

Defensora de Direitos Humanos no Paraná, com quase 50 anos de atuação junto à comunidade carcerária, Isabel Kugler Mendes seguiu na mesma linha e definiu o sistema penitenciário como uma tortura. “O Paraná há mais de dez anos não faz concurso público para a área. Precisa haver uma mudança total, senão o Estado acaba sendo o responsável pelo fortalecimento e aumento do crime organizado dentro das penitenciárias”.

Representando Ordem dos Advogados do Brasil, o conselheiro Anderson Ferreira defendeu que a “a promoção dos mecanismos de combate à tortura não pode estar apenas em projetos de lei, mas na sua execução efetiva. Os direitos humanos têm de estar previstos no orçamento público”.

Representante do Núcleo Periférico, Abraão Gaspar dos Santos citou o trabalho com os egressos e a importância da reinserção com qualificação como uma forma de gerar renda para não voltarem ao crime.

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