Custo de produção x valor do litro: cadeia do leite sente o reflexo da estiagem
A atividade do leite viveu momentos difíceis em 2021. Cada vez mais é comum deparar-se com estabelecimentos fechando no vermelho ou produtores que abandonam a atividade por falta de viabilidade econômica no negócio. No ano passado, a condição orçamentária das famílias derrubou o nível de demanda, impactando negativamente nos preços dos derivados lácteos.
Além disso, quando o preço do leite não se encontra nas mãos do produtor, este precisa saber gerenciar as condições que estão sob seu domínio, ou seja, as situações encontradas da porteira para dentro. O produtor precisa trabalhar no controle dos itens que mais impactam nos custos da atividade.
O ano de 2022 começa com mais desafios, entre eles, a estiagem. A falta de chuva foi um dos obstáculos ao produtor, porque ela influencia no custo da produção. Tamires Zotesso Ruver e o seu esposo Nei vivem da bovinocultura do leite; o casal realiza a gestão da propriedade, na Linha Floriano. Ela explica que acompanha o cenário da cadeia do leite desde o ano passado. Os produtores familiares buscaram a estabilidade no negócio e, atualmente, trabalham com uma reserva. “Mas, não está fácil viver do leite. O valor pago pelo litro está desanimador”.
Em janeiro deste ano, Tamires recebeu R$ 2,00 pelo litro do leite e o seu custo de produção foi de R$ 1,90. No entanto, essa não é realidade de todas as propriedades de Toledo ou da região, pois algumas já se encontram no vermelho. Existem produtores que decidiram comercializar os animais para manter a saúde financeira da propriedade.
De acordo com Tamires, amigos da família ponderam a ideia de não trabalhar com o gado leiteiro ou que essa atividade não seja a principal fonte de renda da propriedade. “O leite não tem sido mais viável, principalmente, para aquele produtor que precisou comprar o alimento para o animal”.
ESTIAGEM – A falta de chuva registrada no começo deste ano ocasionou perda significativa na lavoura da soja e do milho. O efeito da condição climática também atingiu o produtor do leite. Tamires comenta que conseguiu plantar o milho cedo. “Hoje, nós estamos com uma silagem, considerada de boa qualidade. Contudo, a grama e o pasto não cresceram e complementamos a alimentação com mais feno, o que aumentou o nosso custo de produção. O equilíbrio é possível em nossa propriedade, porque tínhamos reserva de trato”.
Mas, para aquele produtor que não conseguiu adiantar a produção da silagem, ele precisou importar o alimento do animal. “Os produtos, como soja, milho e trigo, estão com valores altos e, por consequência, amplia o custo da ração. Por sua vez, o preço do leite não é atrativo e, muitas vezes, o produtor paga para trabalhar e a conta passa longe de fechar”, comenta a produtora de leite.
Inclusive, diante do cenário registrado em 2021 e esse começo de ano, o casal pensou em não atuar mais nesta atividade. “Como não temos outra oportunidade, decidimos continuar e mantemos a cautela”, afirma Tamires. Ela revela que produtores investiram em suas propriedades, como na estrutura, na compra de animais de qualidade, enfim, e agora, é preciso pagar a conta. “A estiagem pode ter colaborado para a dificuldade vivenciada pelo setor, porém o leite precisa ser valorizado. O leite é um alimento tão sofrido para produzir. É preciso investimento e muito trabalho. Um trabalho diário, sem folga e com chuva ou sol. O valor de qualquer produto subiu e o leite sem valor nenhum”, lamenta Tamires.
REALIDADE – O zootecnista do Instituto de Desenvolvimento do Paraná (IDR-PR), Diego Fernandes comenta que ao visitar propriedades da região se depara com uma realidade preocupante. Muitos produtores consideram a ideia de substituir o gado de leite por gado de corte. “Quem tem o leite como terceira atividade na propriedade, por exemplo, pensa em desistir ao longo do ano. Vários já admitiram a possibilidade de comercializar os animais, pois o preço da carne está com um valor interessante”. Ele revela que alguns produtores já selecionaram animais para a venda para auxiliar no custo da propriedade.
Fernandes menciona que a cadeia do leite passa por momentos de crises durante o ano. “Como o leite é uma commoditie, o seu preço fica atrelado ao dólar. Com isso, o menor custo de produção é aquele que apresenta o melhor resultado”.
Ainda durante as visitas, os produtores questionam, principalmente, que não existe uma política pública definida para o leite. “Existem os programas ou os incentivos dos governos, porém política pública para o setor demandaria mais conversa, porque essa atividade não consegue controlar o custo daquilo que paga e o valor que recebe; diferente do produtor, por exemplo, de soja que pode deixar o grão estocado na cooperativa. O leite tem saída todo o dia. O leite é um compromisso para quem o produz”, menciona o profissional.
PLANEJAMENTO – Fernandes destaca que o produtor precisa focar no planejamento. “A geada comprometeu a produção do alimento em 2021; neste ano, a estiagem. O produtor, geralmente, se planeja em questão do volumoso, considerado o principal alimento do animal”.
Se antes, o valor da silagem do milho custava R$ 150,00 a tonelada. Se a mesma silagem for adquirida nos municípios de Guarapuava ou de Castro (por exemplo) o custo pode chegar a R$ 800,00 a tonelada.
Fernandes pontua que todos os insumos aumentaram de maneira geral. Outro exemplo citado pelo profissional é o suplemento mineral, porque o custo deste item está atrelado ao dólar. Os medicamentos também apresentaram aumento em seus valores. “A estiagem só agravou a situação, porque o mercado não possui uma fonte volumosa com preço atrativo”.
Ele salienta que o produtor tem como base o valor do custo de produção e do litro do leite. “Quando o resultado fica próximo de um para um, é difícil manter o equilíbrio e é preciso estudar uma maneira para baratear a produção”, aconselha o zootecnista.
O médico veterinário do IDR-PR, Gelson Hein, enfatiza que a situação para o produtor de leite é preocupante. “A atividade está com dificuldades de retorno econômico desde o ano passado e agravado após o inverno pela situação de falta de chuva”.
Em algumas situações, os produtores não tiveram condições de se preparar com a alimentação do animal devido à seca, o que comprometeu o retorno econômico. “Estamos preocupados; o nosso trabalho é com o pequeno produtor, mas o problema é em toda a cadeia. O momento é de ajuste na propriedade. O produtor deve buscar por orientação para identificar o problema e conseguir fazer os ajustes mais necessários. 2022 é um ano sem muitas previsões”, finaliza Hein.
Da Redação