Desafios e contrastes entre gerações no mercado de trabalho
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Tecer o próprio destino profissional é como entrelaçar fios que unem conhecimento técnico, experiência, soft skills e determinação. Ao longo das décadas, essa trama sofre alteração em sua estrutura. Se em 1980 a busca era por estabilidade e segurança financeira, os jovens de hoje se arriscam e optam por liberdade e flexibilidade. Apesar de ser outro tempo, os fios condutores para desenvolvimento profissional são os mesmos e o que muda é a forma de costurar essa jornada de trabalho, rumo à realização pessoal.
Os jovens nascidos entre 1997 e 2012 são chamados de Geração Z. Eles estão imersos em um cenário tecnológico de facilidades que transformaram estruturas sociais, culturais e econômicas. Tal influência resulta em uma geração destemida, como pontua a psicóloga Suelen Piran: “nota-se que vão em busca de oportunidades profissionais que promovam o bem estar, além de estarem sempre conectados com a tecnologia e demonstrarem maior facilidade de aprendizado”.
Quem ressalta outras qualidades é a psicóloga Patrícia Martins, que atua no treinamento de quem está começando sua jornada agora. Ela aponta que eles buscam equilíbrio e que a felicidade já não se concentra exclusivamente em ganhar dinheiro. Segundo ela, a satisfação pessoal permeia outras áreas: “eles buscam muito mais a questão do propósito, a questão do que faz sentido ou não. Muitas vezes acabam negando propostas para ficar na empresa em que eles se sentem à vontade, que tenham conexão com aquilo que acreditam. Não é uma geração que se ‘mata para o trabalho’”.
JOVENS QUE SE DESTACAM – Suelen atua em uma empresa de recrutamento de recursos humanos e observa alguns comportamentos em comum: “eles trazem qualidades valiosas, adaptabilidade e capacidade de trabalho independente”. Quem reflete essa realidade é Thauana Gottardi, acadêmica de jornalismo, de 20 anos. Ela conta que em 2022, logo no primeiro ano de faculdade, conseguiu um estágio em uma agência de comunicação. Passou a atuar como redatora publicitária e se apaixonou pela área. No final de 2024 alcançou o cargo de gestora de estratégia e sucesso do cliente.
Os valores profissionais de Thauana ilustram as necessidades da Gen Z: “é importante para mim ter autonomia, flexibilidade, liberdade para colocar em prática o que estudo, trabalhar com pessoas que admiro, ver o resultado daquilo que faço e como meu trabalho ajuda outras pessoas e empresas” destaca.
Quem também compartilha uma visão similar é Júlia Mourão, acadêmica e futura jornalista. Ela defende a importância de respeitar os próprios limites, caso contrário, prejudica sua saúde mental e expressa que essa pauta deveria ser normalizada no ambiente corporativo. Julia afirma: “prezo pelo respeito, reconhecimento e paciência. Sem estes pilares não existe ambiente de trabalho saudável que respeite a saúde mental dos funcionários, e isso é uma das coisas que mais prezo”.
A faculdade também proporcionou para Thauana o comando em alguns projetos: “eu amo poder impulsionar o que há de melhor em cada um. No início de 2024 tive a oportunidade de liderar um grupo que envolvia a turma e fiquei responsável pelo time que produzia conteúdo para o Instagram. O resultado de todos foi excelente, adorei a experiência e tive a certeza de que gostaria de fazer isso. Felizmente, a oportunidade chegou pouco tempo depois”.
Júlia também se identifica com cargos de liderança, no qual desempenhou função de coordenar os colegas. “Acredito que combine com o meu perfil. No momento não assumiria um cargo de liderança, pois reconheço que preciso acumular mais experiência, mas no futuro, claro que sim. Sempre escutei que tenho as características de líder e tento usar isso para o bem”.
No entanto, liderança é um ponto que aos poucos está deixando de fazer parte da ambição de parte dos jovens, conforme apontam pesquisas de Harvard. A psicóloga Patrícia Martins ilustra a situação: “é uma geração que não quer assumir tanta responsabilidade. Eles aprenderam com a nossa geração (millenials nascidos entre 1981 e 1996), que quanto mais responsabilidade, mais trabalho. Eles querem fazer o trabalho deles como sendo parte da vida e não a vida. Eles entendem que encontram a felicidade em outros âmbitos, como nas amizades por exemplo, do que realmente no trabalho. Deu seis horas, eles batem o ponto, vão embora e não importa se eles têm trabalho ou não para entregar naquele dia”.
DESAFIOS NO RECRUTAMENTO E NA COMUNICAÇÃO – Encontrar profissionais dedicados como Thauana e Júlia tem se tornado um crescente desafio para recrutadores. Gabriela Cristina dos Santos Koval, de 26 anos, é analista de gente e gestão. Ela relata: “é possível percebermos o despreparo e a falta de seriedade em realizar entrevistas com a Geração Z. Por vezes, passamos por situações inusitadas, desde um currículo desestruturado até o local bagunçado para uma entrevista online ou uma roupa inadequada para o momento. Afinal, eles tendem a ter um pensamento de ‘a empresa é que precisa de um funcionário’, diferente do que era no passado, que existiam filas em frente as empresas para conseguir uma vaga”.
Quem passou pela mesma dificuldade no momento de contratação de novos funcionários foi a gerente de operações Amanda Casal, de 29 anos. “Tive a oportunidade de fazer um processo seletivo onde mais de 90% dos candidatos eram nascidos entre 2002 e 2006. Um fato que me chamou a atenção foi que todos, sem exceção, responderam a perguntas como ‘como você se vê daqui a um e três anos’, com afirmações como ‘com liberdade financeira e geográfica’, o que, embora seja possível, fica bem distante da realidade da média dos trabalhadores”.
A comunicação é um dos pontos afetados que refletem diretamente na interação entre os colegas de trabalho. Isso se dá, muitas vezes, pelo comportamento de estar por trás das telas, afastados da interação social presencial. Patrícia relata que “a tecnologia prejudicou realmente a comunicação téte-a-téte. Eles são ótimos com whatsapp e e-mails, mas são péssimos na comunicação ao vivo. Então a comunicação olho no olho, essa mais efetiva, eles precisam desenvolver e arriscar. A gente só aprende quando arrisca e se envolve”.
Essa dificuldade de interação também interfere na escuta ativa, conforme pontua Patrícia. “Eles têm que aprender a ouvir, trabalhar muito a questão da escuta ativa, da humildade confiante que são soft skills que eles precisam desenvolver. A questão da comunicação só é efetiva quando ela for assertiva. Então entra a questão de saber quando falar e como se posicionar. A influência é uma soft skill que precisa trabalhar e entender que eles precisam ser influentes se eles querem chegar a algum lugar”.
Apesar da tecnologia oferecer velocidade exponencial na sua evolução, o mercado de trabalho exige paciência para a progressão de carreira. O imediatismo é ressaltado por Gabriela: “desejam que aconteça tudo para ontem. Quando citamos que, por exemplo, dentro da empresa existe uma política de ‘X’ tempo antes de uma promoção, é visível o descontentamento e a desistência. A visão de futuro é que após formado, pouco tempo depois, já estará em uma posição de gestão”.
BABY BOOMER – Em oposição a estes jovens, está a resiliência e a paciência da geração baby boomers, que marca os nascidos entre 1945 e 1964, após a segunda guerra mundial. Estruturas hierárquicas tradicionais, forte ética no trabalho e lealdade às empresas moldaram estes profissionais. Para muitos deles, se lançar para o mercado de trabalho era a única alternativa, devido a origem de família mais humilde.
Quem retrata essa realidade é Augusto Sperotto, de 70 anos. Ele construiu uma carreira sólida capaz de deixar um legado, graças aos 30 anos à frente de sua indústria têxtil, onde é sócio majoritário. Sua trajetória consolidada projetou sua empresa para a quinta maior fiação do Brasil, a mais moderna da América Latina.
O empresário atuou além do âmbito da sua indústria, ao participar de associação comercial e fundação de cooperativa de crédito, além de outras entidades como o trabalho voluntário em um hospital. Para ele, se expor e participar destas iniciativas promove a rede de contatos e estreita laços. Sperotto pontua que, se pudesse dar um conselho para si mesmo quando tinha 20 anos, seria o de buscar inovação contínua. Para isso, realizou viagens internacionais em busca de referências para despontar ainda mais, a ponto de deixar um legado não só para a família, mas também para a comunidade.
Augusto compartilha sua visão. Para ele, “tem o que trabalha e só faz força; tem o que trabalha e mata o tempo, fica na dele e tem o que prospera. Quem prospera é quem pensa fora da caixa e enxerga depois da curva. Nunca pensei em não ter sucesso. Essa direção era o único caminho”.
Assim como em uma colcha de retalhos, onde cada pedaço de tecido contribui com sua cor, textura e história, o mercado de trabalho precisa entrelaçar os fios das diferentes gerações para formar uma trama mais rica e resiliente. Ao unir a inovação e a adaptabilidade da Geração Z com a experiência e a resiliência dos Baby Boomers, cria-se uma jornada coletiva que valoriza a diversidade de ideias e perspectivas. É nesse encontro de tempos e talentos que se tece um futuro profissional mais equilibrado, criativo e inclusivo, onde cada fio, independentemente de sua origem, tem seu valor e propósito na construção de um legado comum.
Da Redação
TOLEDO