“O uso do celular na sala de aula é extremamente prejudicial”, diz professor
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A utilização de aparelhos eletrônicos portáteis por estudantes em estabelecimentos públicos e privados de ensino da Educação Básica está regulamentada por Lei desde a semana passada. A Lei nº 15.100, de 13 de janeiro de 2025, tem como objetivo salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e dos adolescentes. Desta maneira está proibido o uso, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, no recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da Educação Básica.
A legislação possui a ressalva que em sala de aula, o uso de aparelhos eletrônicos é permitido para fins estritamente pedagógicos ou didáticos, conforme orientação dos profissionais de educação.
A norma ainda permite o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais por estudantes, independentemente da etapa de ensino e do local de uso, dentro ou fora da sala de aula para os seguintes fins: garantir a acessibilidade e a inclusão; atender às condições de saúde dos estudantes e garantir os direitos fundamentais.
ESTRATÉGIAS – Conforme a Lei, as redes de ensino e as escolas deverão elaborar estratégias para tratar do tema do sofrimento psíquico e da saúde mental dos estudantes da Educação Básica, informando-lhes sobre os riscos, os sinais e a prevenção do sofrimento psíquico de crianças e adolescentes, incluídos o uso imoderado dos aparelhos e o acesso a conteúdos impróprios.
A legislação orienta ainda que as redes de ensino e as escolas deverão oferecer treinamentos periódicos para a detecção, a prevenção e a abordagem de sinais sugestivos de sofrimento psíquico e mental e de efeitos danosos do uso imoderado das telas e dos dispositivos eletrônicos portáteis pessoais, inclusive aparelhos celulares.
“Os estabelecimentos de ensino disponibilizarão espaços de escuta e de acolhimento para receberem estudantes ou funcionários que estejam em sofrimento psíquico e mental decorrentes principalmente do uso imoderado de telas e de nomofobia”, sugere a Lei.
RESULTADOS EDUCACIONAIS – O professor de sociologia do Colégio Estadual Presidente Castelo Branco (Premen) Amir Kanitz pontua que é importante entender que essa Lei é o resultado de uma discussão que ocorre em nível mundial. “Medidas assim já foram tomadas em países muito à frente do Brasil em relação a resultados educacionais. Na Europa, o debate teve muita influência dos estudos do neurocientista Michel Desmurget, diretor do Instituto Nacional de Saúde da França, que acabou por publicar o livro ‘A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para nossas crianças’”.
Kanitz cita que nos Estados Unidos, onde vários condados têm aprovado leis semelhantes a essa aprovada agora no Brasil, um dos principais estudos que norteiam as discussões é do psicólogo Jonathan Haidt, que escreveu o livro ‘A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais’. “Esses são apenas alguns exemplos recentes de estudos que demonstram como a conectividade incessante causa sérios prejuízos para a atenção, desenvolvimento cognitivo e psicossocial”.
Com base em sua experiência como professor, ele afirma que o uso do celular na sala de aula é extremamente prejudicial, pois mantem a maior parte dos estudantes constantemente distraídos e alheios ao processo educacional.
“Eu sei que muitos podem alegar sobre a possibilidade de se utilizar o celular para atividades diferenciadas. Sim, é possível, mas certamente não compensa o prejuízo que causa para a atenção de gerações inteiras que têm saído da escola com cada vez menos capacidade de entender conteúdos básicos, pois não suporta mais do que um story de Instagram ou vídeo curto no TikTok”, menciona o professor.
Kanitz é favorável a Lei, mas ele acredita que operacionalizar a nova regra será algo dificíl. “A escola terá dificuldades de fazer isso acontecer, porque deverá entrar em embate com estudantes mal educados e invariavelmente com muitos dos pais desses estudantes, responsáveis pela má educação”.
Por fim, Kanitz acredita que provavelmente o dever de aplicar a Lei recairá sobre o professor, “que, desmotivado, despreparado, mal remunerado, desrespeitado por boa parte da sociedade, não terá a autoridade e nem a vontade de comprar mais essa briga e, no fim, seguir sendo humilhado por quem não está nem aí para o que ele está fazendo lá na frente. Ou seja, há uma grande chance disso entrar para a coleção das leis que ‘não pegam’”.
TEMPO OCIOSO – Para a psicóloga e pedagoga Ana Kiara Franzão, as escolas destinam o uso de celulares para fins educativos. “Com a pandemia as escolas acabaram tendo que se adaptar e nós também. A questão digital teve uma evolução e nós tivemos que adaptá-la a nossa rotina. Inclusive, alguns softwares e aplicativos colaboram conosco e nos ajudam a aprender mais. Eles também são utilizados nas escolas”.
Ana Kiara chama a atenção para o tempo ocioso. “Aquele tempo que deixamos os nossos jovens ficarem no celular e que, normalmente, não é feito na escola. Normalmente, o intuito do uso na escola é pedagógico”.
A psicóloga e pedagoga orienta a importância para o ‘olhar’ e analisar o tempo de qualidade que o estudante fica com o celular após a escola. “Estudos atuais apontam que questões, como ansiedade, depressão ou autoimagem, que é distorcida muitas vezes por conta dessa exposição das redes sociais, que nós temos e o jovem tanto gosta de acessar”.
Ana Kiara entende que a medida, de certa forma, é protetiva. Ela também acredita que sociedade precisa de informação com qualidade, de conscientização quanto ao uso do celular. “Acredito que a escola terá o seu papel ao dialogar com as famílias para auxiliar esse estudante a ter um tempo de qualidade também quando estiver em casa”.
Da Redação
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