Parque das Aves recebe casal de anfíbios ameaçados de extinção

Um casal de pererecas da espécie Pithecopus rusticus foi trazido do município de Água Doce, em Santa Catarina, divisa com o Paraná, para o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, no início de abril. A operação visa dar início ao programa de conservação desse anfíbio, considerado criticamente em perigo de extinção, e é fruto da parceria entre a Universidade Federal de Santa Maria, o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (RAN-ICMBio), o Parque das Aves e a Reserva Paulista (Zoológico de São Paulo).

As pererecas Pithecopus rusticus (que, embora sejam chamadas de perereca-rústica pelos pesquisadores, ainda não possuem um nome popular estabelecido), são endêmicas do Brasil, sendo encontradas exclusivamente em uma pequena área de campos de altitude no bioma Mata Atlântica.

“Atualmente, a única população conhecida de Pithecopus rusticus está em uma área altamente impactada pelo homem, próxima de uma estrada com presença de gado e plantações. Por conta das ameaças e por ter poucos indivíduos no ambiente natural, o plano é manter uma população de segurança, facilitando a reprodução dos animais em um espaço seguro para, futuramente, enviar seus descendentes ao local de origem, reforçando a população em declínio ou introduzindo um novo grupo de indivíduos no ambiente natural”, comenta a diretora técnica do Parque das Aves, Paloma Bosso.

As pererecas chegaram a Foz do Iguaçu de helicóptero, vindas do aeroporto de Chapecó, através do ICMBio. Por enquanto, os visitantes do Parque das Aves ainda não terão acesso à sala das pererecas. Inicialmente, os animais estão sendo mantidos na área interna da instituição, sob os cuidados da equipe técnica.

DESCOBERTA DA ESPÉCIE – As pesquisas sobre a espécie são realizadas por uma equipe de pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em parceria com outras universidades do Brasil.

A professora Elaine Lucas, da UFSM, coordena as atividades de pesquisa em campo que acontecem desde 2009, quando a população das pererecas foi descoberta. No ano 2014, o anfíbio foi formalmente descrito pela ciência como uma nova espécie. Infelizmente, a espécie já está criticamente em perigo de extinção, segundo a Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 148, de 07/06/2022, que atualizou a Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção.

“Desde a sua descoberta, poucos indivíduos têm sido registrados em apenas uma localidade, apesar das buscas pela espécie na região. Assim, sabíamos que era necessário tomar uma atitude urgente. Por isso, a parceria entre as instituições pode assegurar o futuro deste pequeno anfíbio”, comenta Elaine

ABRIGO SEGURO PARA REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE – Em agosto de 2020, uma oficina foi realizada para avaliar as necessidades de conservação das espécies de anfíbios ameaçados do Brasil, entre elas a Pithecopus rusticus.

A oficina foi organizada em conjunto pela organização internacional Amphibian Ark (em português, “Arca dos Anfíbios”), dedicada à conservação de anfíbios por meio da reprodução sob cuidados humanos, e pelo Grupo de Especialistas de Anfíbios do Brasil (ASG Brasil), núcleo brasileiro do Amphibian Specialist Group (ASG) da Comissão para Sobrevivência das Espécies (Species Survival Commission, SSC), pertencente à União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), a mais influente organização de conservação da natureza do mundo, que reúne os melhores profissionais da área.

Juntos, os especialistas identificaram que a reprodução em um espaço seguro, fora do ambiente natural, seria importante para conservar a espécie.

“Os anfíbios, como grupo, são considerados os vertebrados mais ameaçados do mundo, mas as ações de conservação para protegê-los ainda são muito escassas.” comenta Cybele Lisboa, bióloga da Reserva Paulista e presidente do ASG-Brasil. “Por isso, estamos muito felizes que o Parque das Aves respondeu a nosso convite e se juntou aos esforços para conservar os anfíbios no Brasil.”

De acordo com as diretrizes estabelecidas pelo projeto, em 2022, a professora Elaine Lucas destinou um casal desses animais ao Parque das Aves, mediante autorização emitida pelos órgãos responsáveis.

O RAN, coordena o Plano de Ação Nacional para Conservação de Répteis e Anfíbios Ameaçados da Região Sul do Brasil (PAN Herpetofauna do Sul), que iniciou suas atividades em 2012, também esteve envolvido na ação. “Os PANs são ferramentas oficiais que organizam prioridades e ações específicas para proteger essa e outras espécies de répteis e anfíbios em risco de extinção, bem como suas áreas de ocorrência. Assim, uma dessas ações inclui o desenvolvimento de um programa de conservação ex-situ, ou seja, de reprodução sob cuidados humanos”, diz Tiago Vieira, coordenador do PAN e representante do ICMBio.

“Até o momento, não existiam outros indivíduos de Pithecopus rusticus sob cuidados humanos. A chegada do casal ao Parque das Aves é um marco histórico para o programa de conservação integrada dessa espécie e, consequentemente, para a sobrevivência da espécie”, comenta Paloma.

CUIDADOS ESPECIAIS – No Parque das Aves, a equipe técnica que está cuidando dos animais oferece alimentação duas vezes por semana.

“Como são animais insetívoros, oferecemos grilos, baratas, tenébrios e outros pequenos invertebrados, oriundos de nosso biotério. Estes insetos são suplementados com vitaminas e minerais, garantindo uma alimentação completa e balanceada”, explica o zootecnista Henrique Tavares, chefe da Divisão de Nutrição Animal do Parque das Aves.

Por ser uma espécie de hábitos noturnos, uma câmera infravermelha foi instalada especialmente para que a equipe possa realizar um monitoramento minucioso do comportamento do casal todos os dias.

“Ao analisar as gravações noturnas, aprendemos muito sobre os hábitos comportamentais, alimentares e o padrão de atividade geral dessa espécie”, comenta Roberta Manacero, responsável pela Divisão de Bem-estar Animal do Parque das Aves. “Além disso, durante o monitoramento diurno, observamos que os animais preferem se esconder dentro de bromélias e outras vegetações, e possuem a habilidade de alterar a coloração da pele de acordo com o local em que se encontram.”

Além de oferecer nutrição adequada, a equipe técnica simulou as condições de temperatura, umidade e fotoperíodo semelhantes às existentes em Água Doce, que é o ambiente natural das pererecas. Para isso, além da iluminação natural, utilizam uma lâmpada emissora de raios do tipo ultravioleta B, que favorece as funções fisiológicas das pererecas.

“Nosso trabalho é desenvolver um ambiente compatível com aquele que elas teriam à disposição no ambiente natural. Como as pererecas preferem se esconder dentro da vegetação durante o dia, criamos um aquaterrário com bastante vegetação para o casal. Para minimizar qualquer risco sanitário aos animais, desinfetamos todos os itens introduzidos no terrário. O bem-estar desses dois indivíduos é sempre uma prioridade”, afirma Ben Phalan, chefe de conservação no Parque das Aves.

Apesar de não ficarem em ambiente aquático o tempo todo, já que preferem se esconder na vegetação, as pererecas são muito sensíveis à qualidade da água, que é um outro ponto de atenção dos técnicos. Por isso, eles monitoram constantemente parâmetros como o pH, conferindo se a água está ácida ou básica na proporção correta, além de analisar a presença de nitrato, nitrito e amônia, que poderiam ter um efeito negativo nas pererecas. Assim, após verificar essas alterações, os técnicos ajustam a proporção de troca de água dos animais, mantendo cada parâmetro monitorado dentro das condições ideais de bem-estar para essa espécie.

Boa parte das recomendações técnicas sobre os cuidados com os animais foram baseadas nos detalhes sobre o ambiente natural da espécie, compartilhados pela professora Elaine. Além disso, o Parque das Aves recebeu orientações detalhadas sobre a reprodução e manutenção de pererecas do Zoológico de São Paulo, que já tem larga experiência com a manutenção de anfíbios ameaçados de extinção.

“Com esse apoio técnico de qualidade, somos capazes de oferecer as melhores condições para esse casal tão especial. Afinal, nosso compromisso é com o bem-estar de todos os animais sob nossos cuidados”, resume Roberta.

Nos últimos dias, o Parque das Aves também recebeu notícias de que uma proposta de apoio financeiro enviada para a Amphibian Ark foi aprovada. “Estamos muito satisfeitos que a importância e a urgência deste projeto tenha sido reconhecida,” disse Ben. “Agora, temos os recursos para construir mais aquaterrários, na esperança de expandir a população e assegurar o futuro da espécie”.

FOZ DO IGUAÇU

...
Você pode gostar também
Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.