Piscicultura tem perspectiva de crescimento, mas também enfrenta gargalos

Atividade tem perspectiva de dobrar a produção em cinco anos, mas custos de produção e escassez hídrica podem conter o avanço do setor

Há 20 anos, quando Neocindo Lazarotto começou a cultivar tilápias em Sertaneja, no Norte do Paraná, a piscicultura ainda estava longe de ser uma cadeia estruturada no Estado. Com o desenvolvimento da atividade nos últimos anos, o empreendimento aumentou, acompanhando o avanço do setor. Hoje, o piscicultor mantém 240 tanques-rede instalados na Represa Capivara, com produção média de 200 toneladas por ano: volume cinco vezes maior ao produzido no início do negócio. E as projeções são positivas. De olho em novas oportunidades, Lazarotto prevê ampliações, com novo aumento de produção.

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“Nos últimos seis anos, a tilápia passou a ter uma aceitação extraordinária no mercado e o setor se estruturou”, aponta Lazarotto. “Aqui na região, um dos frigoríficos está investindo mais de R$ 7 milhões em ampliações, integrando a produção. Além disso, as exportações têm aumentado, abrindo mercados nos Estados Unidos e na China. Tudo isso cria boas perspectivas para os produtores e justificam os investimentos”, reforça.

Longe de se tratar de uma exceção, as perspectivas e o entusiasmo manifestado por Lazarotto dão o tom das projeções para o setor como um todo. O Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab) estima que em cinco anos a piscicultura paranaense dobre sua produção, crescendo a uma média de 20% ao ano. Se os prognósticos se concretizarem, o volume de peixes cultivados no Paraná saltará de 188 mil toneladas para 376 mil toneladas até 2027. Hoje, o Estado produz mais de um terço dos peixes de cultivo criados no país.

“É uma cadeia ainda pequena em comparação com a soja, mas com um enorme potencial de crescimento. O peixe é uma proteína nobre, que tem tido uma procura cada vez maior. Hoje, a piscicultura paranaense gera cerca de R$ 1 bilhão por ano. A nossa projeção é de que a atividade passe a movimentar R$ 2 bilhões dentro de quatro anos”, aponta Edmar Gervásio, especialista do Deral que acompanha a cadeia.

Alguns fatores explicam a hegemonia paranaense quando se fala em peixes de cultivo. Para o presidente da Comissão Técnica (CT) de Aquicultura do Sistema FAEP/SENAR-PR, Edmilson Zabott, o Paraná saiu na frente por ter sido o primeiro a apostar na produção de tilápia em escala significativa. Além disso, a piscicultura se adaptou bem às condições de produção do Estado, principalmente nas regiões Oeste, Noroeste e Norte. O clima propício, com períodos curtos de frio, favorece o cultivo de peixes em pequenas e médias propriedades, coexistindo com outras atividades agropecuárias.

“A piscicultura se consolidou dentro de uma visão de diversificação. O produtor aproveita áreas que, por exemplo, não são agricultáveis e instala os tanques, criando uma nova oportunidade de negócio. O Paraná é, hoje, o grande mestre nessa produção”, disse Zabott. “No começo da década de 1990, a Emater trouxe a tilápia como oportunidade. E com a vocação e a coragem dos produtores em desenvolver novas cadeias, começamos a nos destacar”, contextualiza.

As cooperativas tiveram papel fundamental no desenvolvimento da atividade, na medida em que ajudaram a estruturar e estimular a cadeia e, por meio da instalação de frigoríficos que abatem e processam os peixes. A C. Vale, localizada em Palotina, no Oeste, deu início ao sistema de integração para produção de tilápias há quatro anos e hoje processa 100 mil unidades por dia, fornecidas por mais de 200 cooperados. A região Oeste responde por 70% da produção estadual, principalmente nos municípios de Nova Aurora, Toledo e Palotina – os três maiores produtores do país.

“A região Oeste foi a pioneira e as cooperativas deram o grande impulso. Primeiro, veio a Copacol, que instalou o primeiro frigorífico, depois a C. Vale e, em seguida, outras empresas do ramo”, disse Zabott. “A tendência é de que as cooperativas capitaneiem o crescimento da cadeia, a partir de um modelo de integração, como é o de aves e suínos”, aponta Gervásio.

Tecnologia

Para os especialistas, o crescimento também deve ser catapultado com a intensificação do uso de tecnologia. Cada vez mais, os produtores investem na melhoria de processos de manejo, no fluxo de alimentação, em sistemas mais modernos – de recirculação de água e de aeração, por exemplo – e em sanidade. Tudo isso deve ampliar a produtividade, ou seja, a capacidade de produzir mais peixes e com peso maior em um mesmo espaço, promovendo mais um salto da atividade.

Apostando na tecnologia, o casal Valério Angelozi e Renata Sanches, de Primeiro de Maio, no Norte do Paraná, há 15 anos, começou a cultivar tilápias em tanques-rede. Desde 2015, Angelozi e Renata se dedicam exclusivamente à criação de juvenis: recebem os alevinos com 1 grama e os repassam, um mês depois, com 15 gramas a piscicultores voltados à fase de engorda. Todos os animais são classificados e imunizados, por meio de vacinas injetáveis.

“Nosso produto é tecnificado, com uma ênfase no aspecto sanitário, um dos problemas da piscicultura. Na fase inicial de vida, os peixes costumam ter muitas doenças e há muitas perdas. Os nossos clientes têm essa preocupação, de pegar animais já imunizados, com análise e acompanhamento veterinários”, explica Angelozi. “No ciclo 2022/23, vamos aumentar a produção para mais de 3 milhões de unidades, a partir da abertura de mercado nas regiões Oeste do Paraná e de São Paulo”, acrescenta.

Com investimento em tecnologia e genética, Lazarotto também melhorou a conversão da alimentação e reduziu em um mês o período em que os peixes permanecem na engorda. “Conseguimos alevinos que vão dar uma tilápia com a cabeça e a parte traseira um pouco melhores. Com isso, temos um animal mais voltado ao rendimento do filé. Hoje, eu compro um juvenil com 30 gramas e retiro em sete meses, com 850 gramas”, diz o piscicultor.

O técnico do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR que acompanha a cadeia, Alexandre Lobo Blanco ressalta o cuidado que o produtor precisa ter com a questão sanitária e a ênfase em genética. Ele sugere, por exemplo, que o piscicultor pesquise o histórico do fornecedor de alevinos, preferencialmente, fazendo visitas às instalações. “É imprescindível que se tenha cuidados sanitários. Uma doença pode fazer com que o piscicultor tenha que esvaziar o tanque, fazer o tratamento do fundo de viveiro e enchê-lo de novo. Nisso, ele perde o lote, sem falar no custo de manejo e no tempo de criação”, aponta.

Revisão reduz taxas do IAT

No último mês, técnicos do Instituto Água e Terra (IAT) revisaram os parâmetros para a definição de taxas pelos serviços de licenciamento ambiental e outorga da água. Esse trabalho, que aconteceu após pedidos do Sistema FAEP/SENAR-PR, resultou em casos de produtores rurais economizando até 50% nos valores cobrados pelos procedimentos. Dependendo da situação, a economia chega a R$ 2 mil, conforme simulação do IAT.

A economia ganha ainda mais importância quando se analisa o número de pedidos em um período maior. Segundo o IAT, de 30 de agosto de 2021 a 19 de julho de 2022, foram emitidas 363 licenças. Destas, 191 foram Dispensas de Licenciamento Ambiental (DLAE), que não têm cobrança de taxa. O segundo tipo mais demandado foi a Licença Ambiental Simplificada (LAS), com 60 emissões.

Outro aspecto que tem sido revisto são os dados gerados para definir as vazões de cursos d’água. Há uma limitação das estações de medição fluvial (água dos rios) que geram informações. Saber quanto de água há disponível nos rios é fundamental para liberar ou não o uso de água para novos empreendimentos. O investimento na aquisição e instalação de 280 novas estações deve entrar no orçamento do Estado, segundo o diretor-técnico da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab), Benno Doetzer.

“O produtor precisa saber, previamente, se o negócio é viável do ponto de vista de disponibilidade de água. No Instituto de Desenvolvimento Rural [IDR Paraná] estamos criando um sistema de consulta rápida para orientação à sociedade e também à agricultura e técnicos para que, de maneira simples, possam consultar a capacidade hídrica de cada localidade no Estado”, destaca Doetzer.

FAEP atua para garantir futuro da piscicultura

A FAEP tem unido esforços junto aos piscicultores, por meio da Comissão Técnica de Aquicultura, para garantir a sustentabilidade da atividade. A mobilização constante junto a órgãos públicos e privados resulta em reuniões como a realizada no dia 20 de julho, na sede da entidade, em Curitiba, com secretários nacionais e estaduais, deputados e representantes do setor.

Na ocasião, o secretário Nacional da Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Jairo Gund, recebeu uma lista de solicitações dos produtores paranaenses. “Daqui tiramos posicionamentos concretos que vão ajudar a resolver gargalos e desenvolver a atividade no Estado e também para o Brasil”, relatou Gund.

Para o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette, existe a necessidade urgente de debater a distribuição dos recursos hídricos no Estado. “Nós contratamos a Embrapa para fazer um estudo sobre a questão hídrica e resíduos das indústrias. A entrega da primeira fase é 2023. Fazemos isso porque olhamos para o desenvolvimento hoje e para garantir o futuro”, destacou. “Esse é um assunto sério. Imagina licenciar um empreendimento e, quando os investimentos já estão rodando, descobrir que não tem água”, disse o deputado estadual Marcio Nunes.

O secretário de Desenvolvimento Sustentável e Turismo, Everton Souza, disponibilizou a equipe técnica para esclarecer dúvidas e gerar soluções para possíveis impasses. “Nosso compromisso é ofertar água para todo mundo e, para isso, há uma grande mobilização nossa do ponto de vista técnico. Estamos sempre abertos para ouvir e fazer as adequações necessárias para aprimorar a disponibilidade hídrica no Estado”, apontou Souza. “Precisamos que os órgãos que regulam essa questão ambiental e da água possam ser mais acessíveis, mantendo a seriedade e o rigor da preservação”, pontuou o deputado estadual Elio Rush.

O que é?

Outorga do uso da água: é o ato administrativo que expressa os termos e as condições mediante as quais o poder público permite o uso de recursos hídricos de determinada bacia hidrográfica por um prazo específico. Pode ser prévia ou de direito.

Outorga prévia: tem validade de dois anos e é um pré-requisito para o produtor iniciar o processo de licenciamento ambiental. Os custos variam, partindo de cerca de R$ 700.

Outorga de direito: com o licenciamento ambiental efetivado, o produtor pode pedir a outorga de direito, que tem validade de seis anos e garante o uso dos recursos por esse período.

Escassez de água e aumento dos custos podem entravar crescimento

Apesar da liderança absoluta, alguns fatores caem como um alerta, que podem entravar o avanço da piscicultura no Paraná. Um deles é a escassez hídrica. Para conseguir o licenciamento do empreendimento, o piscicultor precisa ter aprovado pelo IAT um pedido de outorga prévia do uso da água, indicando o volume que os tanques devem consumir. Para autorizar o uso dos recursos hídricos, os técnicos vão avaliar se a bacia tem vazão disponível.

Em algumas microrregiões, no entanto, os recursos estão perto do limite. A partir de portarias do IAT, o Boletim Informativo do Sistema FAEP/SENAR-PR mapeou 24 áreas críticas em diversas regiões. Nessas localidades, os produtores podem ter dificuldade para conseguir a outorga do uso da água.

“São bacias em que há muita gente dispondo dos recursos hídricos e pouca água disponível. Estão no limite ou perto. Aí, o produtor não consegue autorização ou lida com um recurso limitado. Estamos fazendo estudos com cooperativas e usuários, para que não se chegue a esse ponto em outros rios. É um crescimento que precisa de cautela”, explica a engenheira agrônoma Gláucia Tavares Paes de Assis, responsável pela análise de outorgas do IAT. “Isso já é um problema real. Temos tido indeferimentos em algumas áreas, sempre por problemas de vazão, porque não tem água para usar”, explica.

Todo o processo de pedido de outorga do uso da água é feito de forma online. Na solicitação, o produtor precisa apontar o volume que o empreendimento vai demandar. Por isso, a recomendação é que o projeto seja elaborado por um técnico agrícola, que dimensione as reais necessidades do negócio. “Ocorre que estudos hidrológicos têm chegado com vazão superestimada. Isso pode resultar em indeferimentos, principalmente em locais de escassez hídrica”, aponta Gláucia.

Outro fator que preocupa os produtores é o aumento dos custos com ração e de energia. No caso da alimentação, a alta está atrelada à valorização internacional e recorrente da soja e do milho. No caso da energia elétrica, os custos foram puxados pela crise hídrica e da estiagem prolongada. Os gastos com energia correspondem, em média, a 8% dos custos totais em empreendimentos com tanques escavados. “Por todos esses entraves, antes de ingressar na atividade, o produtor precisa fazer um cálculo de viabilidade do projeto, apoiado em diagnóstico e pesquisa de mercado”, recomenda o técnico do Sistema FAEP/SENAR-PR Alexandre Blanco.

Em julho do ano passado, o governo do Paraná lançou o Programa Paraná Energia Rural Renovável (Renova-PR), voltado a estimular a adoção de sistemas fotovoltaicos e biodigestores no campo, por meio da equalização da taxa de juros. Até a primeira quinzena de julho, são 2.538 projetos executados a partir das linhas de financiamento do programa, totalizando a marca de R$ 500 milhões.




Coordenação de Comunicação Social
Sistema FAEP/SENAR-PR

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