Racismo: por que ele faz tantas vítimas?

O racismo ainda existe. Situações de desrespeito que envolvem ‘raça’ ultrapassam séculos. A sociedade evolui em diversos aspectos, contudo, ainda encontra gargalos que levam a retrocessos e não permite cortar ‘raízes culturais’ que não ajudam na evolução igualitária dos povos.

Segundo o doutor em Filosofia – com aperfeiçoamento em Bioética – e professor adjunto do curso de Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus Toledo, Carlos Renato Moiteiro, a filosofia, tal como as demais ciências humanas, procura ao mesmo tempo compreender as bases desses comportamentos e desconstruir seus fundamentos.

“Pensadores e pensadoras contemporâneas como Michel Foucault, Achille Mbembe, Nancy Fraser, Angela Davis e, no Brasil, Lélia González e Sueli Carneiro, dentre tantos outros e outras, dedicaram-se em algum momento à temática do racismo, apontando elementos comuns que hoje são, de certo modo, consenso entre a comunidade científica de uma forma geral”, exemplifica.

O doutor pontua que em primeiro lugar a ideia de uma humanidade dividida em ‘raças’ não tem qualquer respaldo biológico, tendo sido uma construção pseudocientífica europeia do século XIX para justificar a dominação tardia das colônias africanas e asiáticas. “Em segundo lugar, que o racismo é uma construção histórica que antecede e perpassa a escravidão dos povos ameríndios e africanos, pautada no mito de uma ‘raça pura’ forjada cultural e economicamente pela Europa mercantilista, cujas consequências catastróficas são conhecidas na história (mais de 12 milhões de indígenas dizimados e 10 milhões de africanos escravizados em toda a América)”, declara.

O terceiro ponto citado por Moiteiro é que essas feridas persistem abertas numa ideologia de superioridade da população branca de ascendência europeia sobre os demais povos, reforçada pelos discursos totalitaristas do século XX, como o integralismo no Brasil e o nazifascismo na Europa. “E, por fim, que mesmo quando os discursos racistas não aparecem às claras, eles continuam permeando as estruturas da sociedade, na forma da exclusão social e de classe destas populações – aquilo que nós chamamos hoje em dia de ‘racismo estrutural’”.

FERIDAS ABERTAS NA SOCIEDADE – O doutor comenta que não apenas influenciam neste fato a ascendência europeia marcante na imigração regional, como também o período em que estas imigrações aconteceram. Ele acrescenta que tal ascendência trouxe consigo discursos que já estavam, de certa forma, arraigados na sociedade europeia do século XIX, sobretudo a italiana e a germânica.

“Mas há de se considerar também que o racismo não é um marcador social singular tão somente da nossa realidade regional: basta considerar o aumento desses casos nos últimos anos mesmo em regiões de maior diversificação étnica da população, como os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e mesmo Bahia, para compreender que se trata de feridas abertas em nossa sociedade, devidas sobretudo ao modo de colonização a partir do qual nossa sociedade se constituiu e aos séculos de escravização”, salienta.

COMO MUDAR TUDO ISSO? – Para reverter tais questões, conforme Moiteiro, não basta apenas uma mudança ‘cultural’, por assim dizer, visto que as pessoas que cometem estes crimes sabem de sua gravidade e mesmo assim o cometem. “É preciso garantir a existência de leis mais rígidas para coibir esse tipo de atos (a equiparação recente, pelo governo Lula, entre a injúria racial e o crime de racismo foi um avanço enorme neste sentido, pois muitos crimes permaneciam impunes por serem tratados apenas como injúria), bem como políticas públicas de equidade e equiparação das condições sociais para as populações negras e indígenas para reverter o quadro do racismo estrutural, aliadas a uma educação para a igualdade e a diversidade em todos os níveis, da educação infantil ao ensino superior”, acrescenta.

O professor ainda declara que em parte, estes crimes não são denunciados pela convicção da impunidade que as vítimas carregam consigo. “Mas também porque, devido a este mesmo racismo estrutural, o sistema judiciário e penal brasileiro repetem o comportamento vicioso do discurso racial, quer mediante a exposição da vítima ao invés da garantia de sua proteção, quer pela dificuldade muitas vezes sentida pela vítima de comprovar o ato racista (as câmeras de segurança e celulares hoje em dia têm facilitado esse processo de identificação dos agressores), quer ainda pelo fato de que o próprio sistema é eivado de carga ideológica e muitas vezes dificulta que estes casos avancem nos tribunais, ao passo que a população negra atualmente é o principal alvo do sistema carcerário”, conclui.

Da Redação

TOLEDO

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