Toledana Morgana de Almeida Richa fala sobre o cargo de ministra do TST
No dia 13 de dezembro foi publicado, no Diário Oficial da União, o decreto do presidente da República, Jair Bolsonaro, que nomeou a desembargadora do TRT da 9ª Região (PR), Morgana de Almeida Richa, como ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Morgana que é natural de Toledo falou com exclusiva com o JORNAL DO OESTE sobre a carreira, a nova missão, as metas e os desafios do cargo.
JO: Como foi receber a notícia da indicação ao cargo?
MR: A carreira da magistratura costuma ser longa, no meu caso foram quase 30 anos no TRT/PR, entre o período em que exerci a jurisdição como juíza de primeiro grau (fazendo conciliação, instrução e julgamento dos processos, a exemplo dos colegas de Toledo) e como Desembargadora no Tribunal (decidindo os recursos em segundo grau).
Enquanto os juízes de carreira ingressam por concurso público, o provimento dos cargos de Ministros nos Tribunais Superiores tem regras próprias, passando pela nomeação do Presidente da República e aprovação do Senado Federal.
Por certo corresponde a um novo processo de seleção, cujo filtro tem início com a escolha de uma lista tríplice pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho. A emoção foi a de estar sendo novamente aprovada no concurso.
Além disso, sinto-me profundamente honrada por ter a oportunidade de representar meu estado e, especialmente, por ser a primeira mulher paranaense a ocupar uma cadeira do Tribunal Superior do Trabalho.
A indicação para o cargo de ministra significa verdadeiro marco divisor de minha vida profissional, a legitimação da carreira, o reconhecimento da instituição, que por si enaltece a trajetória até então percorrida, como magistrada e como mulher.
JO: Como estão sendo os trabalhos neste início de atividades?
MR: Tomei posse no dia 22 de dezembro do ano passado, em pleno recesso judiciário e, até 31 de janeiro, por força da Lei Orgânica da Magistratura, os ministros encontram-se em férias coletivas. Mesmo assim, já assumi a frente na efetiva condução das atividades em meu gabinete, pois considero uma oportunidade valiosa de conhecer os servidores, ambientar-me ao Tribunal e à nova racionalidade no julgamento de recursos da Corte Superior, com tranquilidade, aproveitando que as sessões de julgamento colegiado serão retomadas somente a partir de fevereiro.
JO: Quais os principais desafios do cargo?
MR: Conforme regras do Regimento Interno do TST, ao assumir o cargo recebi mais de 25 mil processos redistribuídos para análise, abrangendo as mais variadas espécies de recursos.
O vasto acervo constitui o primeiro desafio: a urgência em conferir celeridade à tramitação, de modo a concretizar o direito à razoável duração do processo, sem deixar de lado a necessária qualidade técnica das decisões. Para tanto, pretendo utilizar minha experiência profissional, bem como as técnicas de gestão de acervo, nos moldes já realizados no Tribunal Regional do Paraná.
Sob outra perspectiva, a mudança de instância traduz-se em uma total reformulação da racionalidade na análise dos recursos na Corte Superior, muito diferente das técnicas adotadas no Tribunal Regional.
No TST, o papel do Ministro não é mais examinar os fatos alegados e provas produzidas pelas partes, mas tão somente analisar as teses jurídicas apresentadas, como forma de trazer coerência e uniformidade ao Processo do Trabalho em nível nacional, de modo que as decisões alcancem todos os jurisdicionados de forma equânime.
JO: Em relação à última reforma trabalhista quais os pontos que podem ser melhorados?
MR: Existem diversas questões tormentosas que ainda demandam atenção especial do legislador, para melhor garantir a concretização de direitos, a exemplo da vasta complexidade dos novos métodos de trabalho originados com os avanços tecnológicos dos últimos anos.
Apenas para citar alguns exemplos, pode-se pensar no teletrabalho, adotado em massa durante a pandemia de covid-19, mas que ainda carece de maior regulamentação legal; no labor prestado por meio de plataformas digitais (como os aplicativos de transporte e entrega de mercadorias), sem previsão legal específica; ou mesmo no trabalho intermitente, novidade criada pela Reforma Trabalhista, mas de forma ainda incipiente.
No aspecto, importante destacar que o modelo democrático pressupõe a divisão de atribuições entre os poderes, cabendo ao legislativo o papel de elaborar as leis e ao judiciário garantir o seu cumprimento no caso concreto.
JO: Como ‘filha de Toledo’ como pretende atender as demandas dos municípios do interior com essa função (fazer com que as pequenas cidades se sintam lembradas)?
MR: Cada vez mais o Poder Judiciário tem sido acionado para um protagonismo na sociedade brasileira, por isso fundamental compreender o papel de cada um dos Tribunais Superiores.
A tarefa precípua do órgão máximo da Justiça do Trabalho, que é especializada, diz respeito ao panorama nacional, no sentido de uniformizar as decisões que versem sobre matéria trabalhista brasileira.
Isto porque são distintas as realidades sociais vivenciadas ao longo do território brasileiro, desde os grandes centros urbanos até as pequenas comunidades rurais (como temos na região de Toledo), sendo necessário conferir a mesma tônica na interpretação das normas, a partir das mesmas premissas fáticas.
No fundo cumpre ao TST resguardar a coerência do sistema, para que a aplicação da lei não resvale em perdas qualitativas decorrentes das subjetividades de cada julgador, sem esquecer, é claro, das especificidades na dinâmica de cada forma de trabalho.
JO: Como foi sua escolha em relação a área do Direito?
MR: Dentre os fatores que tiveram grande influência na formação familiar, o pai Arante, pequeno comerciante varejista de sapatos e a mãe Gecilda Helena, inspetora de ensino que desde cedo incutiu nos filhos o hábito da leitura, particularmente prazeroso em todo o meu desenvolvimento.
Além da boa coleção de livros que havia em casa, eu gostava de frequentar a biblioteca de um vizinho chamado Ondy Niederauer (homenageado com o nome do Centro Cultural de Eventos da Vila Pioneiro), de quem emprestava livros semanalmente durante certo período. Já entusiasta da literatura em diferentes vertentes, ainda menina ingressei no Círculo do Livro, uma editora que funcionava como um clube no qual os sócios recebiam mensalmente uma revista com um acervo promocional interessante.
Acredito que a expansão do conhecimento por esta via, a partir de outras culturas, diferentes formas de comunicação e de relações interpessoais, afetou positivamente aspectos da minha vida pessoal e profissional.
Tais fatores contribuíram para despertar o interesse no Direito, resultando numa feliz escolha na prestação de serviços à sociedade por meio da magistratura, carreira que desenvolvo por vocação, comprometimento institucional, com grande realização profissional.
JO: Suas considerações finais?
MR: Agradeço a entrevista e aproveito para registrar homenagem à querida professora Miria Isabel Mezzomo de Marchi, responsável pela minha alfabetização no Colégio Incomar.
Por fim, a atuação como ministra do TST demandará o enfrentamento de grandes desafios. Espero contribuir com a somatória da experiência profissional para tão relevante cargo, assinalando a compreensão da responsabilidade da atuação, como dito, de fundamental importância na aplicação das normas atinentes às relações de trabalho na sociedade e na uniformização da jurisprudência do país. Muito obrigada!