Vinho de Bituruna é orgulho para a cidade e referência no país
Famílias de descendentes de italianos vindas do Rio Grande do Sul na década de 1920 escolheram a região de Bituruna, no Sul do Paraná, como seu novo lar. Além de roupas e móveis, trouxeram na bagagem mudas de diversos tipos de uvas que já tinham o hábito de cultivar. Entre elas, estava a Casca Dura, cujo vinho produzido no município se tornou uma referência nacional de qualidade.
Famílias de descendentes de italianos vindas do Rio Grande do Sul na década de 1920 escolheram a região de Bituruna, no Sul do Paraná, como seu novo lar. Além de roupas e móveis, trouxeram na bagagem mudas de diversos tipos de uvas que já tinham o hábito de cultivar. Entre elas, estava a Casca Dura, cujo vinho produzido no município se tornou uma referência nacional de qualidade.
Após dois anos de trabalho das vinícolas da região, atualmente comandadas pelos netos e bisnetos dos primeiros produtores, o vinho de Bituruna fabricado com a uva Casca Dura obteve o selo de Indicação Geográfica (IG) do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
A bebida típica compõe um grupo de 12 produtos paranaenses que possuem a IG reconhecida e são foco da série de reportagens da Agência Estadual de Notícias.
O reconhecimento foi concedido à Associação dos Produtores de Uva e Vinho de Bituruna (Apruvibi), formada por quatro vinícolas: Bertoletti, Sanber, Di Sandi e Dell Mont. Além da história familiar em comum, elas carregam um trabalho de parceria que ajudou a projetar a cidade para o mundo enológico, chamando a atenção de viticultores e apreciadores de vinho de todo o Brasil.
Michele Bertoletti Rosso é enóloga e a atual administradora da Vinícola Sanber, cujo nome é uma junção dos sobrenomes das duas famílias que se instalaram em Bituruna antes mesmo da cidade ser formalmente constituída, quando ainda era conhecida como Colônia Santa Bárbara: Sandi e Bertoletti.
A empresária, que também é a atual presidente da Apruvubi, conta que a IG é resultado do esforço conjunto dos viticultores locais, que também tiveram o apoio do poder público e de outras entidades.
“Há muito tempo começamos a fazer um trabalho para entender como o vinho branco de Bituruna era famoso. Fizemos estudos, visitamos outras regiões produtoras no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina e ao procurar essa variedade não encontramos”. Começamos a conversar entre as vinícolas que produziam o vinho Casca Dura e percebemos que a gente podia fortalecer essa produção.
E foi dado o próximo passo. “Reorganizar a nossa Associação começamos a buscar parceiros, como o Sebrae-PR, o Governo do Estado e a Prefeitura de Bituruna para obter o reconhecimento de Indicação Geográfica a partir da organização dos nossos processos e elaboração de um manual técnico”, relatou Michele.
CARACTERÍSTICAS – A Casca Dura, como o nome já sugere, possui uma película mais resistente do que outras uvas. Além disso, a fruta tem menos mosto do que outras mais tradicionais, o que demanda um volume maior para se produzir a mesma quantidade de vinho.
Para um litro de vinho, são necessários 1,4 quilo de uva no caso da Niágara, 2 quilos quando utilizada a Bordô e cerca de 3 quilos para a produção com a Casca Dura. Devido a essa característica, a produção média anual das vinícolas de Bituruna é de apenas 60 mil garrafas, o que torna o produto ainda mais exclusivo.
“A uva Casca Dura é muito interessante, porque apesar de ser extremamente resistente, ela é pouco produtiva. É uma uva produzida em pé franco (plantada diretamente no solo, sem enxerto), com colheita manual e escalonada de acordo com o amadurecimento”, explica a enóloga.
“Com isso, temos um vinho sempre com uma cor dourada e um aroma tropical, com uma acidez média pra baixa, o que torna o Casca Dura uma bebida que combina muito bem com o clima brasileiro, agradando o gosto de um público mais jovem, que está iniciando no mundo do vinho, mas também os paladares requintados que buscam características diferentes nos vinhos brancos”, conclui Michele.
Devido à produtividade reduzida, o que demanda um espaço de cultivo maior, e ao processo de colheita manual da Casca Dura, as vinícolas biturunenses adquirem parte do insumo de outros pequenos produtores rurais locais.
A demanda é uma garantia de ocupação e renda na agricultura familiar do município durante o ano todo, com pagamento proporcional à qualidade da uva coletada, o que incentiva os produtores a permanecerem em suas propriedades e melhorarem cada vez mais.
EXCLUSIVIDADE – Outro que herdou o amor pelas uvas e o vinho dos seus “nonos” foi Claudinei Bertoletti, que atualmente preside a Associação dos Vitivinicultores do Paraná (Vinopar). Ele é o enólogo responsável pelo desenvolvimento de novos produtos e administrador da vinícola Bertoletti ao lado de outros três irmãos.
“Meus bisavôs viajaram de carroça durante um mês da Serra Gaúcha até chegarem em Bituruna em 1927, e agora estamos na quarta geração no cultivo da uva e produção do vinho”, contou. A tradição familiar de décadas se somou à modernização e aprimoramento das técnicas de cultivo e produção.
“Bituruna tem vários enólogos formados e vimos que a partir da uva Casca Dura, que antigamente era usada apenas para fazer licor, era possível elaborar um vinho diferente e que não existia em outros lugares. Quando a gente observou a diferença desse produto, começamos a propagar ela e hoje temos uma produção limitadíssima que é muito valorizada”, disse Bertoletti.
De acordo com o empresário, o processo para obtenção da Indicação Geográfica foi facilitado pela união de esforços entre as vinícolas com o apoio do Sebrae-PR, a administração municipal e o Governo do Estado, por meio do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná) e da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento.
“O reconhecimento foi mais fácil do que esperávamos, porque o vinho de Bituruna já era uma IG de fato, só faltava ter esse reconhecimento por direito. Juntamos os documentos comprobatórios em pouco tempo e achávamos que demoraria uns cinco anos para ter a aprovação, mas em menos dois anos e meio já recebemos o selo do INPI”.
As características inerentes ao Casca Dura fazem com que o cultivo demande pouca ou, em alguns casos, nenhuma aplicação de defensivos agrícolas. Na avaliação de Bertoletti, essa condição, somada à geografia de Bituruna – que é circundada por morros – o clima ameno e as técnicas de manejo mantidas e melhoradas de geração em geração são o segredo para o desenvolvimento de um vinho único.
Para avançar ainda mais, os empresários das vinícolas discutem sobre metodologias de cultivo, manejo e produção e a aquisição de insumos em conjunto.
“A gente procura sempre melhorar aplicando novas técnicas e conhecimentos na produção pensando na qualidade do produto, mas sempre mantendo a característica do processo original que nos fez sermos o que somos. Os nossos vinhos já eram um sucesso e o reconhecimento da IG aumentou ainda mais essa demanda”, contou.
Turismo vai de visita a vinícolas até uma corrida entre parreirais
Além da renda obtida diretamente com as vendas do vinho engarrafado, as vinícolas de Bituruna têm atraído cada vez mais turistas, o que ajuda a movimentar os hotéis, pousadas, restaurantes e o comércio em geral da cidade.
Na Vinícola Sanber, é possível visitar uma casa original dos primeiros colonizadores da região que atualmente funciona como um museu, com móveis, roupas, acessórios e equipamentos utilizados na produção vinícola à época. A programação ainda inclui uma visita aos parreirais, tanto os originais quanto os mais modernos, a degustação das uvas na época da safra e dos diferentes vinhos produzidos.
“Criamos um complexo turístico dentro da vinícola onde contamos toda a história de como tudo começou, como chegaram aqui os primeiros produtores e o plantio das primeiras mudas. O visitante é convidado a entrar nessa história enquanto degusta os vinhos, sucos e espumantes, visita nossos vinhedos e, na época da safra, pode comer a Casca Dura, participar da colheita e entender como o vinho é produzido”, explicou Michele.
Como as quatro vinícolas estão concentradas na mesma região do município, a própria estrada de ligação tornou-se uma atração turística. Batizada de Rota do Vinho, ela foi pavimentada com o apoio do Governo do Estado e da prefeitura e, além de servir como acesso às propriedades, também recebe outros eventos sazonais ao longo do ano.
A cada dois anos, Bituruna sedia a Festa do Vinho, que atrai centenas de turistas em busca de bons vinhos, comida italiana, shows musicais e produtos coloniais.
Para quem gosta do contato maior com o meio ambiente, é possível participar da Caminha da Natureza, um evento para todas as idades em meio aos vinhedos, araucárias, erva-mate e outras árvores e plantas típicas da região Sul do Paraná.
A Apruvibi também promove um encontro voltado aos vitivinicultores, com discussões técnicas sobre o cultivo e produção do vinho.
Outro evento que já se tornou tradicional no calendário de Bituruna é o Desafio Rota do Vinho, uma corrida que alia a paixão pelo esporte à valorização da cultura e da gastronomia local. O evento é organizado pela Associação dos Corredores de Bituruna (Acorb), com o apoio da prefeitura, e já teve oito edições desde 2015.
A corrida possui modalidades para adultos e crianças, com traçados de 5 e 16 quilômetros, além de revezamento em duplas. Os atletas passam pelos principais pontos turísticos da cidade, incluindo o Garrafão, um monumento de 18 metros de altura no trevo da PR-170 que faz alusão aos antigos recipientes onde o vinho era armazenado.
Na Rota do Vinho, eles ainda têm a chance de correr pelo meio das vinícolas e dos parreirais. O percurso torna-se ainda mais bonito porque a corrida acontece sempre no começo do ano, quando as uvas estão prontas para a colheita, fazendo com que os atletas menos competitivos e mais focados na recreação até mesmo parem para saborear a fruta direto das videiras.
“A nossa corrida é diferenciada pelo seu trajeto, pelo povo acolhedor, a nossa gastronomia, músicas típicas e a possibilidade de degustação dos produtos, o que atrai atletas de todas as idades do Brasil inteiro e até de fora do país, com corredores do Paraguai e Argentina”, afirmou Hollen.
As corridas acontecem sempre no primeiro fim de semana de fevereiro – a 9ª edição, em 2024, está marcada para os dias 3 e 4. As inscrições já estão abertas.
Culinária italiana é outra atração que tem ajudado na economia
Além de ser servido como bebida, o vinho de Bituruna também está muito presente em diversos pratos da culinária local graças a empreendedoras como as irmãs Sandra e Samira Bertoletti. As duas são sócias-proprietárias, junto com outras irmãs e a mãe, do Restaurante 7 Colinas, um dos mais tradicionais da cidade.
O estabelecimento atende o público geral no almoço, em sistema de buffet, e grandes grupos em eventos fechados. É possível experimentar uma vez por semana o tradicional ossobuco com polenta, um prato originário da cidade de Milão, na Itália, e amplamente reproduzido pelos restaurantes especializados.
No caso do 7 Colinas, a receita leva em seu preparo uma taça de vinho Casca Dura, o que garante um sabor único e uma forte identificação com a cidade.
O vinho também está presente no preparo da carne assada de carneiro, no risoto, no sagu e em molhos e geleias feitos com gengibre e cebola.
“Bituruna sempre teve uma produção de vinho muito forte e a obtenção da IG pela Apruvibi é um orgulho para todos os biturunenses. Muitas pessoas vêm à cidade a trabalho ou turismo e nós sempre procuramos oferecer a elas pratos que contenham o vinho para valorizar o produto da nossa cidade”, comentou Sandra.
No restaurante, as irmãs sempre procuram falar sobre a Indicação Geográfica obtida recentemente aos novos clientes e distribuem materiais informativos sobre as vinícolas.
“O vinho faz parte da tradição de Bituruna e por isso buscamos aliar as receitas das culinárias italiana e brasileira com outras referências para aprimorar as nossas receitas sempre o utilizando nos preparos. Dessa forma, também ajudamos a divulgar a IG, porque nós, assim como toda a cidade, só temos a ganhar com esse reconhecimento”, defendeu Samira.
REVITIS
Desde 2019, o Governo do Estado reforçou o incentivo à produção de uvas, sucos e vinhos com a criação do Programa de Revitalização da Viticultura Paranaense (Revitis). Além de ajudar a produzir mais e com qualidade superior, o programa também apoia a industrialização, a comercialização e o desenvolvimento do turismo em torno da uva.
Assim como em outras regiões, em Bituruna o Revitis auxilia projetos para expandir a atividade. As ações incluem a entrega de 15 mil mudas de uva bordô, também amplamente utilizada para a produção de vinhos no município, e R$ 158 mil em recursos para obras e equipamentos, beneficiando 43 produtores familiares.
BITURUNA