Inspirado no xadrez e na filosofia, escritor paranaense lança livro de mistério e fantasia a partir de um assassinato no Monte Roraima

Em um tabuleiro de xadrez, cada peça se movimenta de maneira diferente. Cabe ao bom jogador fazer a leitura das possibilidades, da posição de cada peça, para prever e se antecipar no jogo. Em “Assassinato no Monte Roraima” (80 págs., Editora CRV) os princípios do xadrez encontram questionamentos filosóficos e um mistério inesperado. 

Concebido por Edgard Zanette, o livro é fruto do desejo do autor de subir e explorar o Monte Roraima, onde encontrou inspiração para seu primeiro romance, que ele mesmo apresenta como “uma obra modesta e delicada, que pode remeter aos livros da coleção Vaga-Lume, responsáveis por despertar meu amor pela leitura”.

Um crime em altitudes elevadas e o limiar entre o real e imaginário

“Assassinato no Monte Roraima” conduz o leitor além da trilha da montanha e ao interior complexo de cada personagem. Nesta obra, o xadrez não é apenas um jogo, mas uma metáfora potente que permeia a narrativa, relacionando-a à filosofia, à literatura e à vida. A exploração do Monte Roraima revela não apenas segredos da região, mas também os enigmas intrínsecos à condição humana.

Como um mosaico, sua trama entrelaça as histórias de sete pessoas que estão juntas no trajeto de ascensão ao monte, que fica localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. Com línguas distintas e personalidades incógnitas, a história reúne os venezuelanos Terence e Javier; o casal francês, Louis e Camille; os brasileiros Alberto e Helena e o jovem Yuri, um grande mestre de xadrez russo. 

Os sete se encontram no trajeto de ascenção ao monte, e se veem no meio de um problema quando um assassinato acontece no coração da montanha. É quando os valores, defesas e máscaras desses personagens são postas no tabuleiro. As fronteiras entre a realidade e a fantasia se desfazem, lembrando-nos de que, mesmo em uma era de tecnologia avançada, é possível explorar as conexões profundas do espírito humano em suas buscas por sentido e felicidade.

Com apenas 80 páginas, o livro consegue abordar assuntos tão diversos quanto realidade e sobrenatural, relacionando temas clássicos da literatura, do xadrez e da filosofia, com questões regionais da Amazônia, como a lenda sobre Canaimé. Avançando pelo texto, o leitor irá descobrir as paisagens e místicas do local. A história proporciona essa viagem, que desperta interesse sobre o que é real e o que está por trás do véu da fantasia. 

Filosofia e xadrez no currículo e na escrita

Edgard é formado em letras e filosofia com doutorado pela Unicamp e dois pós-doutorados em Filosofia. É docente da Universidade Estadual de Roraima (UERR) e coordenador do curso de Graduação em Ciências Humanas, com ênfase em Educação Indígena, em colaboração com a UERR/UAB.

Ele aprendeu a jogar xadrez aos 14 anos, idade em que também começou a escrever. Assim, a leitura, a escrita e o enxadrismo permeiam a vida do escritor, que é mestre em Xadrez desde 2013 e campeão brasileiro de Xadrez Blitz (título de 2022). Nascido em Medianeira e criado em Foz do Iguaçu, na região oeste do Paraná, ainda cultiva raízes com seu estado natal, mas foi em Boa Vista, capital de Roraima, que seu coração encontrou um lar. Já são onze anos morando no Norte do Brasil.

Sua experiência como professor de filosofia e enxadrista desempenhou um papel crucial na estruturação da narrativa de “Assassinato no Monte Roraima”. Seus personagens citam nomes do pensamento como Kant e Hume para refletir sobre as circunstâncias apontadas no enredo, assim como indagações e gestos particulares dos enxadristas também se revelam por palavras e nuances. Tanto o público familiarizado quanto curiosos serão capazes de reconhecer.

Edgard escreveu boa parte do livro dentro de uma barraca durante a expedição. O planalto do Monte é composto por uma rede de cavernas. Durante a escalada, o autor conquistou diversos marcos pessoais, sendo o maior deles, a concepção deste livro. “Em 2023, ao subir ao Monte Roraima, já possuía o esboço do livro em minha mente, registrando todos os detalhes, caminhos e impressões”, conta. 

“Durante a expedição, em uma certa madrugada, passei horas a fio escrevendo em minha barraca, abrigada em uma caverna. Esta foi uma noite especial e boa parte do livro que vocês estão lendo foi delineado naquele espaço minúsculo e escuro”, revela Edgard.

Projetos futuros

Com dois livros publicados, “Ceticismo e Subjetividade em Descartes” (Editora CRV) e “Aprenda Xadrez com os Filósofos” (UERREdicoes), “Assassinato no Monte Roraima” é o primeiro romance do autor. 

Para isso, contou com as referências de obras clássicas como “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, “Caninos Brancos” de Jack London, “O Mundo Perdido”, de Arthur Conan Doyle, “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera e, claro, “A Idade da Razão”, onde o também filósofo Jean-Paul Sartre mostra suas facetas como romancista. 

A ideia de Edgard era escrever um livro leve e breve, com poucas páginas, para que todos os leitores pudessem conhecer melhor suas ideias, como um cartão de visitas. “Escrever livros sobre as obras dos grandes filósofos têm sido um processo mais fácil para mim. Porém, compor este romance tem se mostrado uma experiência mais gratificante e desafiadora”, compara.

O autor agora trabalha em um novo romance – mais complexo, extenso e intimista. Já esboçou diálogos e cenas, mantendo a escrita sucinta. “Nesta minha segunda obra inédita, escrevi com um pouco mais de profundidade, mantendo a escrita leve, característica que aprecio”, revela.

Leia um trecho de “Assassinato no Monte Roraima”:

“A trilha se tornava mais árdua, porém gratificante. A cada quinhentos metros, uma sensação de conquista os impulsionava a continuar. Eles avançavam passo a passo, cientes de que a ansiedade era um adversário a ser vencido. A decisão de passar sete dias na mata, sem sinal de celular, internet ou civilização, ao lado de um grupo de desconhecidos, havia sido feita conscientemente. Eles pagaram caro para vivenciar aquilo tudo. Não cabiam desculpas. Conforme Sartre sustentou, estamos condenados a enfrentar nossa própria liberdade; não há como escapar desse fato.” (pág. 39)

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